01. Coimbra Romana
Coimbra terá sido um povoado indígena escolhido para a capital de civitas por causa da sua dimensão e centralidade nas margens do rio Munda (Mondego), que então era navegável. Talvez herança do nome do povoado pré-romano, a cidade designou-se Aeminium e a prova está na lápide encontrada em 1888 (integrada no muro de habitação) que hoje se encontra em exibição no Museu Nacional Machado de Castro. Tal lápide regista o agradecimento da civitas Aeminiensis ao imperador Constâncio Cloro por algo que este mandou fazer em prol dos cidadãos no início do século IV, daí a certeza de ser esta a cidade de Aeminium referida por Plínio na sua História Natural e por Antonino no célebre Itinerário de Antonino. Terá sido a seguir ao assassinato de Viriato, o líder rebelde dos Lusitanos que enfrentava os romanos, que a cidade foi conquistada pelas tropas romanas, em 136 a.C., comandadas pelo Cônsul Décimo Júnio Bruto, então à frente da província da Hispânia Ulterior. A principal via romana na costa atlântica, ligando Bracara Augusta (Braga) a Olissipo (Lisboa), passava por Aeminium, da qual ainda restam alguns miliários nas proximidades. A norte situava-se Talabriga e a sul Conimbriga, cidade que acabou por ter uma influência determinante nos destinos de Aeminium. Eram ambas municípios (civitatis) mas Conimbriga aparentava ser mais importante na demografia e na economia, e tinha ligações mais fortes com a capital provincial da Lusitânia Emerita Augusta (Mérida).
02. Coimbra Sueva e Visigoda (Emínio)
Quando os Suevos, Visigodos, Alanos e Vândalos invadiram a Península Ibérica, a partir de 409, a estabilidade e prosperidade dos hispano-romanos desapareceu. Neste período a cidade passou a designar-se Emínio, sendo ocupada e dominada pelos Suevos e, logo de seguida, pelos Visigodos. À semelhança do que se passou em Conimbriga, Aeminium terá sido saqueada pelos Suevos durante o século V até ao momento em que a cidade passou a ser parte integrante do Reino Suevo. No século seguinte o acontecimento mais relevante foi a criação da diocese de Conimbriga, ainda sob dominação dos Suevos, o primeiro povo bárbaro da região a converter-se ao cristianismo, tornando-se Eminio uma paróquia de Conimbriga. Em 585 desaparece o Reino Suevo, esmagado e absorvido pelos Visigodos, que instauraram a primeira unidade política peninsular estável, com centro político em Toledo, após o desaparecimento do Império Romano do Ocidente. Na sequência da queda dos Suevos, as autoridades eclesiásticas de Conimbriga foram transferidas para Eminio que passou a ser sede episcopal perdendo o Conimbriga importância sem o seu Bispo, ganhando-a Eminio que agora abrigava um Bispo. Neste período o estatuto de Eminio terá evoluído, uma vez que para além de ser habitada pelo Bispo cristão, também foi habitada por reis visigodos que por cá cunharam moeda, nomeadamente Recaredo I (586-601), Liuva II (601-603), Sisebuto (612-621) e Chintila (636-640).
03. Coimbra árabe (Qulumriya)
A invasão árabe da Península Ibérica iniciou-se em 711, em virtude da desagregação do reino visigodo, e em 714 ou 715 e cidade de Emínio foi tomada para os Muçulmanos por Abd al-Aziz, filho de Muça. Nos primeiros anos da presença árabe, Eminio continuou nas mãos de Aidulfo, membro da família real visigótica (descendente de Vitiza) e o senhor godo da região, por conveniência dos invasores árabes que não tinham efetivos suficientes para ocupar integralmente os territórios conquistados. Eminio e toda a região foi dominada durante anos por caudilhos locais que exerciam o seu poder com autonomia, mas, a certa altura, foi abarcada pela tribo Muladi, com centro em Badajoz. Depois da constituição do Emirado Omíada de Córdova (756), os Muladis viram-se a braços com um forte concorrente também interessado em dominar os territórios de Coimbra. Assim Eminio e Conímbriga passaram a ser um dos alvos de disputa militar entre esses dois centros de poder. Mas devido à longa distância que separa Emínio desses dois polos políticos rivais (Córdoba e Badajoz), praticamente numa área de fronteira entre os territórios cristãos, a norte, e os territórios muçulmanos, a sul, a cidade foi dominada alternadamente e sucessivamente por caudilhos locais, forças muladis e forças omíadas.
04. Primeira reconquista cristã (Colimbria)
Em 878, no tempo de Afonso III das Astúrias, o nobre Hermenegildo Guterres comandou, aliado a certo caudilho árabe, a conquista de Coimbra, tornando-se depois Conde de Coimbra e dando origem a uma dinastia condal muito influente na vida do Reino de Leão. Depois de derrotados os grupos muçulmanos Muladis que dominavam Eminio, Afonso III ordenou o repovoamento da cidade. Os regressados bispos cristãos, o primeiro deles foi Nausto, reorganizaram a diocese e fundaram novas igrejas onde o ritual cristão assumia características próprias, o rito moçárabe. Talvez tenha sido construída uma Catedral no mesmo local onde hoje se ergue a Sé Velha. Se a sede da diocese estava em Emínio, a designação da diocese ainda era a da tradição sueva (Parochiale Suevum) e, por isso, os bispos usavam o título de episcopus Conimbrigensis, o que levou a confusão entre o nome da cidade e o nome da diocese. É neste período de primeira reocupação cristã da cidade (878-987) que se consagra a transformação do topónimo Conimbriga em Colimbria.
05. Segundo período árabe
Em 987 a cidade de Coimbra voltou a ser conquistada pelos árabes, mais precisamente por Almançor o famoso Hajib do Califa Omíada de Córdova Hisham II. Com esta ocupação a cidade de voltou a designar-se Qulumriya. A partir de 994 Qulumriya transformou-se na grande fortaleza Omíada da região, tendo como primeiro governador Farfon Iben Abdella. Construiu-se nova e robusta muralha e no topo da colina foi erguido, recorrendo-se a toda a sabedoria e tecnologia do califado, um castelo segundo os modelos típicos dos omíadas, o Qasr, uma fortaleza quadrangular quase regular provida de várias torres circulares em cada face e com uma entrada fortificada. A partir dessa praça-forte Almançor comandou várias expedições punitivas para norte, tendo conquistado e ocupado Viseu e Lamego, e conquistou e saqueou Porto, Braga, Ourense e Santiago de Compostela (997). Quando o Califado de Córdova desapareceu, com a morte do nono Califa, Hisham III em 1031, surgiram pequenas Taifas e nessa altura com Qulumriya passou a ser uma cidade-fortaleza dominada pelos Aftássidas da Taifa de Badajoz juntamente com Santarém, Lisboa, Sintra, Évora e Beja.
06. Segunda reconquista cristã (Coimbra)
Aproveitando que o poder dos árabes estava fragmentado em inúmeros pequenos reinos, as Taifas, que além disso se agrediam mutuamente, os príncipes cristãos atacaram as grandes cidades mais próximas. O rei de Leão e Castela, Fernando Magno lançou uma forte ofensiva conquistando sucessivamente Lamego, Viseu e Coimbra. A conquista de Coimbra, em 1064, obrigou a um demorado cerco de cerca de 6 meses uma vez que a fortaleza erguida pelos Omíadas era praticamente a inexpugnável. O exército gigantesco D. Fernando Magno conseguiu impor tão demorado cerco devido a assistência prestada pelos monges do Mosteiro de Lorvão. O assalto final, daquela que terá sido uma batalha é extraordinária, foi comandado por D. Sisnando, homem da inteira confiança de Fernando Magno, e foi bem sucedido porque as hostes cristãs conseguiram aliciar o alcaide árabe a trair os seus. Consta que o famoso El Cid Campeador, Rodrigo Diaz de Bivar, também terá participado, tendo aí tendo tido aí a sua primeira grande experiência de batalha e que, consumada a conquista, foi feito cavaleiro.
07. Cidade Moçárabe
Concluída a conquista, Fernando Magno nomeou o ilustre moçárabe D. Sisnando para Governador destes territórios (era natural da região). Com o governador de D. Sisnando a cidade de Coimbra tornou-se um centro florescente da cultura moçárabe. Desaparecendo a mordaça muçulmana, o rito hispânico ou moçárabe manifestou-se plenamente livre, sendo especialmente relevante o bispo moçárabe D. Paterno. A cidade passou a acolher um fluxo crescente de cristãos moçárabes que procuravam escapar às perseguições de que eram alvo nos territórios muçulmanos, cada vez mais intolerantes. Com o desaparecimento de D. Sisnando em 1091, as influências francas tornaram-se mais intensas. Sucede-lhe o genro, Martim Moniz, mas por um período breve, porque logo em 1094 Afonso VI ofereceu as terras de Coimbra como dote de casamento de D. Raimundo (um nobre franco) com a sua filha D.Urraca. Em 1096 tem lugar o casamento de um outro nobre franco D. Henrique de Borgonha com outra filha de Afonso VI, D. Teresa recebendo de dote as terras do Porto e de Coimbra que unidas passaram a constituir o Condado Portucalense. Da união entre D. Henrique de Borgonha e D. Teresa viria a nascer o futuro primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Com a morte do conde D. Henrique em 1114, ficou a viúva D. Teresa a governar o condado até que em 1128 teve lugar a batalha de São Mamede, na qual o jovem infante saiu vencedor, assegurando o seu domínio sobre o Condado Portucalense.
08. Cidade Real
Depois da batalha de Ourique em 1139, a primeira grande vitória de D. Afonso Henriques contra os mouros, o infante passou a usar o título de rex e a governar como se de um estado independente se tratasse que nada devia ao seu primo D. Afonso VII, rei de Leão e Castela. Mas só com o Tratado de Zamora, em 1143, consegue o reconhecimento da independência do Condado Portucalense que passa a chamar-se Reino de Portugal; e em 1179 o Papa Alexandre III reconhece Portugal como um estado independente e D. Afonso Henriques como seu rei.
D Afonso Henriques fixou residência em Coimbra, tornando-se esta a capital do território que dominava. Coimbra tornou-se terra do Rei e de nenhum outro senhor. Quase todos os reis da primeira dinastia nasceram em Coimbra no Paço Real fazendo dela o berço seguro e estável da governação, mesmo quando, a partir do reinado de D. Dinis, a cidade de Lisboa começou a ganhar algum ascendente sobre Coimbra por causa da sua vantagem geoestratégica.
A presença de um poder central em Coimbra fez desenvolver ainda mais a cidade. Não só o velho palácio condal (que já fora de D. Sisnando) foi reerguido e a fortaleza melhorada (novas torres), também novos edifícios foram construídos, como o mosteiro de Santa Cruz – durante muito tempo o mais importante mosteiro português – e a Catedral (Sé Velha) e muitas outras igrejas românicas como São Tiago, São Cristóvão, São Salvador, São Bartolomeu e São Pedro. Coimbra era a maior cidade de cristã a sul do rio Douro, a partir da qual o jovem rei podia planear a estratégia de alargamento no seu território para sul. A partir do novo palácio, da sua fortaleza e contando com o conselho e esclarecimento dos monges de Santa Cruz, Coimbra passou a ser o grande centro de decisão política a partir do qual se construiu Portugal. É durante a primeira dinastia que é fundada a universidade portuguesa. Em 1290 o rei D. Dinis institui-a em Lisboa, mas depois de 18 anos de atividade o mesmo rei transferiu-a em 1308, para Coimbra, pois seria o local mais apropriado para o decorrer dos estudos. Passados 30 anos, o rei D. Afonso IV transferiu-a de novo para Lisboa, alegando que Coimbra era local de residência da corte e que a presença de muitos escolares causava dificuldades de espaços e alojamentos. Dezasseis anos mais tarde, em 1354 a universidade regressa a Coimbra. Antes do término da primeira dinastia, a universidade voltaria a ser transferida mais uma vez, em 1377, no tempo de D. Fernando para Lisboa.
Foi também em Coimbra que viveu grande parte da sua vida a Rainha Santa Isabel, hoje o santo patrono da cidade, tendo-se feito enterrar no Convento de Santa Clara. O neto da Rainha Santa Isabel, D. Pedro, viveu em Coimbra a mais famosa história de amor da história de Portugal. Pedro e Inês viveram em Coimbra o seu amor secreto e Inês terá sido assassinada no antigo Paço da Rainha, não muito longe do Convento de Santa Clara, perto do local onde hoje se chamam Quinta das Lágrimas.
09. Cidade Ducal
Depois da crise de 1383-85, Lisboa, que era já a cidade mais populosa de então, adquiriu irremediavelmente o estatuto de capital do Reino. D. João I, o novo rei, rendeu-se aos cidadãos de Lisboa para cimentar o seu direito ao trono e a Coimbra restou o valor simbólico de antiga cidade real. Entretanto Coimbra tornou-se a sede de um Ducado, criado por D. João I em 1415, ano da tomada de Ceuta, em favor do seu segundo filho D. Pedro de Portugal, Duque de Coimbra, que chegou a ser Regedor e Defensor do reino (entre 1438 e 1448) por morte do seu irmão D. Duarte, e na menoridade do seu sobrinho D. Afonso V. Juntamente com o de Viseu que foi criado no mesmo ano, é o mais antigo Ducado de Portugal. Porém o título não teve continuidade porque D. Pedro morreu tragicamente na batalha fratricida de Alfarrobeira (1449). Mais tarde o título foi de novo atribuído, já no final do século XV, ao filho ilegítimo de D. João II, D. Jorge de Lencastre. Durante este período a cidade não perdeu as suas características medievais e não sendo habitada pelos grandes do país e pouco visitada por eles, foi perdendo o seu prestígio e muito da sua população. Em 1443 o Infante D. Pedro tentou dignificar a cidade ducal através da fundação de uma nova universidade, para além daquela que já existia em Lisboa, mas supõe-se que nunca chegou a funcionar verdadeiramente.
10. Coimbra universitária
Na primeira metade do século XVI, o rei D. João III decidiu transferir de Lisboa para Coimbra, e desta vez em definitivo a universidade portuguesa. Coimbra passou a ser a única cidade universitária portuguesa. A cidade de que conhecera anos de letargia viu-se de novo dinamizada, inundada de professores, de alunos e de todos aqueles que eram necessários para o bom funcionamento da instituição. O burgo medieval passar passa a ter uma instituição forte em torno da qual se faz o seu crescimento. O primeiro momento da vida universitária em Coimbra foi claramente humanista, desde que Frei Brás de Braga chegou, em 1527, para dirigir a reforma do mosteiro de Santa Cruz como parte da estratégia que transformaria Coimbra num centro de ensino. Frei Brás de Braga reformou o seu mosteiro segundo o ideal humanista, modificando radicalmente a parte baixa da cidade ao mandar abrir uma rua especial, a rua de Santa Sofia, com o propósito de se erguerem numerosos colégios em estilo renascentista onde se pudessem alojar e preparar os estudantes para o estudo superior. Um dos colégios ali instalados foi o famoso Real Colégio das Artes (mais tarde transferido para a Alta) a funcionar como instância de preparação dos alunos para a carreira universitária, colégio onde lecionavam os humanistas franceses (bordaleses) e onde era mais nítido o ambiente humanista. Em 1537 a Universidade foi efetivamente transferida para Coimbra, para o que foi cedido o velho Paço Real. No segundo momento, o ambiente humanista desvaneceu-se e foi substituído pelo regresso anacrónico à escolástica. A crescente influência dos jesuítas, que em 1555 conseguiram o domínio sobre o Colégio das Artes, a par do estabelecimento da Inquisição (que detinha em Coimbra um dos seus tribunais), inaugurou o período da chamada Segunda Escolástica. Quando os jesuítas conseguiram o Colégio das Artes transferiram-no para Alta e incluíram-no num mega complexo educacional que estavam erguer e que reconfigurou a cidade: o Colégio de Jesus ficou ligado ao Colégio das Artes. Mas se a princípio o exercício escolástico jesuítico foi brilhante, depois instalou-se a repetição, o que produziu um ambiente decadente e claustrofóbico que imobilizava tanto a Universidade como a vida de toda a cidade. Só em 1772 a cidade se liberta deste ambiente estagnado através de uma reforma universitária imposta pelo poder de Marquês de Pombal. Ao emergir um novo ambiente na cidade, novas transformações se verificaram especialmente na Alta. Os edifícios que os jesuítas entretanto expulsos de Portugal deixaram vazios foram reaproveitados para servir as necessidades da universidade (foi ali instalado o novo Hospital, um Gabinete de Física Experimental, o Museu de História Natural) e novos edifícios foram construídos, sendo especialmente relevante o Laboratório Chímico, o primeiro edifício erguido em todo o mundo com o propósito de servir de laboratório químico. Com a implantação da República em 1910 deu-se mais uma viagem na história da cidade. Coimbra, que havia sido a Lusa-Atenas, o centro da formação universitária em Portugal e, em consequência, o único centro do saber e da cultura, deixou de o ser, uma vez que deixa de ter o monopólio do ensino superior. Nesse período foram fundadas as universidades de Lisboa e Porto, e anos mais tarde outras iriam ser fundadas. Essa perda do monopólio teve como consequência uma perda de protagonismo que não se fez sentir de imediato.
11. Coimbra contemporânea
Hoje a universidade continua a estruturar os ritmos da cidade e continua a marcar a personalidade da cidade. A Universidade modernizou-se, cresceu transformou Coimbra num centro produtor de ciência, numa cidade de serviços muito especializados, nomeadamente na área da saúde. Além disso, Coimbra é a cidade universitária mais antiga de Portugal, o berço de todas as tradições académicas, a Alma-Mater do fenómeno universitário graças à sua longa história, que se interliga profundamente com a história de Portugal, e graças aos seus magníficos monumentos, Coimbra é um ponto de passagem obrigatório de todos os itinerários turísticos em Portugal. Hoje é uma cidade vocacionada para o turismo cultural e os seus habitantes já estão habituados a constante azáfama de turistas a calcorrear o seu centro histórico.
